Conto do mês: Fernanda Ramos

18:51:00

E você volta?
Havia dúzias de recados dentro da fruteira na mesa da cozinha, e uma casa desarrumada como nunca visto antes, mas o quarto estava impecável em sua arrumação, com um leve perfume de rosas.
A casa em seus tantos metros quadrados estava vazia. Ela se foi.
Duas horas da manhã. Eu estava levemente alterado como as luzes dos postes da rua que embasavam minha visão enquanto procurava o miolo de chaves no fundo do bolso da bermuda jeans. Vomitei uns tantos mililitros no jardim que ela passou meses arrumando, eu particularmente o achava inútil, ela era inútil. Chamo-me Antônio como meu avô, ninguém em dois mil e doze se chama assim por opção. Velhos em praças possuem o meu nome, e eu tenho essa tal alma velha. Mas ela chama-se Luíza, brilhando no vestidinho branco leve, num quiosque de praia nas suas férias dos sonhos. Grécia. Eu estava por ali com meu pai que também era Antônio e minha mãe que não sentia nada que era Maria. Mas, Luíza era bela e o sol que se formava em seu rosto em um perfil fabuloso me fazia sentir como um Rafael, Gabriel, Henrique ou Felipe. Afinal, como um jovem. Eu me casei com aquela mulher numa capela simplória na cidadezinha que ela havia nascido, e nós nos amamos junto às goiabeiras de uma fazendinha perdida num ponto norte do mundo. Compramos uma casa velha, que fora reformada, compramos alguns móveis de antiquário (porque Luíza era jovem, mas amava as coisas velhas). Ela pintou a entrada de branco e me fez carimbar nossas mãos no muro em um grande coração. Também trocou minhas calças de sarja e camisas de algodão por algumas roupas da última moda que até hoje não sei como se chamam ou porque ela me acha tão belo dentro delas. Luíza mudou tudo dentro da minha vida. Ela era livre, alimentava os passarinhos no quintal, porém não os prendia. Eu era preso, sem grandes alegrias mundanas, porém ela era uma alegria. Hoje encontrei essa mesma mulher no meu sofá com outro homem, e ela gemia. As paredes e os móveis, até mesmo as pratarias gemiam. E desde então eu odeio a tal da Luíza. O céu escureceu enquanto dava murros na parede, o desgraçado fugia arrumando as calças e ela jogava centenas de coisas que vinham as mãos junto aos gritos estridentes e a decepção que sentia pelo coito interrompido. Luíza pegou todas as suas roupas e me deixou a casa destruída. E o principal foi minha alma entrando em overdose, não era álcool dentro dela, era mágoa. Agora ainda sinto seu cheiro na roupa de cama, choro no assoalho da cozinha, ando como um bicho amuado. Não pela casa destruída, ou pelo mau hálito que estou talvez pelos bilhetes na fruteira que irei queimar assim que retomar a consciência. Mas, choro porque ela me matou sem perceber. Por mais que haja milhares de mulheres no mundo, ou o sol nasça todos os dias, nada nem ninguém irá matar as dores ou amores que ficaram aqui esperando Luíza.



Fernanda Ramos (http://umameraantitese.tumblr.com)

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